sábado, 17 de maio de 2008

Sobre humildade e modéstia



Não escrevo já faz algum tempo. Não vou fazer como muito blogueiro por aí e reclamar da baixa massificação de meus escritos: sim, eu tenho leitores. Meu público é um grupo reduzido de pessoas que faz um esforço especial para entender um conjunto de pensamentos que eu reúno de vez em quando não com propósito doutrinário, mas apenas para colocar no ar algum comentário que eu julgo desprestigiado nos debates em geral. Estou aqui não para chocar, mas para criar fissuras em certas unanimidades que, como já virou chavão dizer, têm o hábito de serem burras.

Quase sempre escrevo sobre cinema, não porque este é o único assunto sobre o qual eu teria algo a dizer, mas para evitar me envolver em polêmicas desnecessárias (já me bastam as necessárias). Para dizer algo, acredito ser melhor fazê-lo direta e objetivamente, sem ressalvas desnecessárias, que empolam o texto com admoestações nas quais quem escreve não acredita de fato. Por isso, um mau leitor pode entrar em meu blog e ter uma impressão errada de minha pessoa. Acreditará que sou um ser cheio de “verdades”, e se colocará numa posição imediatamente defensiva. Sim, isso já aconteceu e não é nada agradável. Existe muita gente invejosa no mundo, e essas pessoas às vezes me fazem querer parar de escrever ou de me expor de uma forma geral. Se os estudiosos atestam que a vida urbana destrói as relações inter-pessoais, casos recentes me indicam também que a cortesia intelectual é uma prática em flagrante desuso.


É uma pena que isso aconteça, mas eu não pretendo adaptar meu texto (ou meu comportamento) a certas mesuras e jogos de cena que em nada contribuem para o que desejo comunicar. O debate pressupõe a manutenção de certas posições, e, quando o interlocutor expõe seu pensamento de forma clara e objetiva, age com honestidade para com seu debatedor. Fazendo isso, ele permite que se revelem as vulnerabilidades de seu próprio discurso. Ao oferecer com franqueza a estrutura de seu modo dedutivo, propicia maior riqueza nos comentários posteriores.


O verdadeiro humilde não é aquele que escolhe as palavras para não parecer arrogante, mas sim quem está sempre disposto a se revisar de fato, pois sabe que não detêm nenhum privilégio (intelectual, que seja) diante de qualquer interlocutor. Pode, sim, estar melhor informado em algum assunto, mas isso não quer dizer que esteja necessariamente certo. O modesto, e estes são em maior quantidade, simula uma dúvida constante sobre as próprias afirmações, assimilando muitas vezes as críticas feitas pelos interlocutores ao dar a entender que já as conhece. Sintomaticamente, não revisa seus conceitos e os passa adiante, na esperança de que estas fragilidades não reapareçam em outros comentários. Essa é personalidade do cínico, aquele que concorda com algo no momento de uma conversa, deixando para depois a tarefa sórdida de destruir o discurso do interlocutor sem a sua presença. É o típico “cara legal” com o qual você deve tomar cuidado.


Todo ser humano devia ser entendido entre aspas. Estas se abrem antes de sua primeira palavra, e se fecham logo depois da última. Elas dizem, a quem possa interessar, que tudo que eu falar ou escrever será produto de minha pessoa, ainda que se baseie em estudos e conhecimentos variados da vida humana. São aspas para mim mesmo, como se eu dissesse, antes de tudo: “mas sou apenas eu falando”. Ninguém deveria precisar reforçar esse estatuto antes de falar qualquer coisa. Além de perda de tempo, fazer isso vai apenas arrebanhar simpatia para você, quando as pessoas deviam estar pensando em outras coisas mais importantes, como o conteúdo.

2 comentários:

Saulo Dourado disse...

Uma das coisas mais difíceis, e também para mim que anuncio, é prestar atenção no que dizem. Nós primeiro entendemos quem está dizendo, o seu rosto, a sua biografia , e então, quando ele abre a boca, o seu jeito de falar. "Reparou que ele fala muito 'entendeu'?". "Reparou que ele não olha pra esquerda?". As frases vão vindo, e as palavras vão sendo sempre testadas, uma a uma, porque um deslize gramatical ou, pior, um deslize de conduta, como proferir algo que pareça arrogante, e esse "parecer" no sentido de pura associação lingüistica, num ah, eu já vi um arrogante dizer assim, portanto esse que me fala é um arrogante, nos daria o alívio de não precisar compreender o que está em exposição. Eu posso me levantar, sair da platéia, e sobre esse homem que falava, sobre os pensamentos dele, vou poder responder a toda vez que me for indagado: "Nem perca tempo. Um imbecil". E avalia-se muito para saber em qual detalhe lhe ejetar, e também muito pouco se você for escolhido como alguém "bom", se você for eleito uma autoridade, sob critérios que tantas vezes não têm relação com o conteúdo tão quanto a retaliação. É uma rede de palavras e representações, e nos perdemos.

mbpine disse...

falar com beleza e concisão é para poucos. Davi não conquista leitores, conquista corações. parabéns.