quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Inverno


Self Portrait, Edward Hopper


Sei que as coisas não são assim, que no man is an island e que a vida às vezes deve ter um quê de temporada de férias da Malhação. Eu sei que você gosta de pular no rio, de churrasco no quintal, ouvir músicas bacanas e esquecer que o tempo passa, que tudo morre, e que mesmo enquanto vivos nossos pensamentos são sujos e imperfeitos.


Eu sei de tudo isso, inclusive que eu devia ver o lado bom das coisas e outros clichês não menos verdadeiros. Que preciso exigir menos de mim, rir de piadas sem graça e dançar danças que eu não gosto apenas pelo prazer cinético, pela completude instantânea que surge quando o corpo vaza ritmos comprimidos de vibração melódica.


Sei que devo aprender a ser feliz, a sorrir e a compartilhar, e acho lindo quando você me conta que subia em pés de araçá, e brincava de pega-pega, e jogava bola com os moleques da rua e outras meninices que geralmente a gente lembra com trilha sonora de MPB.


Sei também algumas coisas que você não sabe, coisas de gente boba que cresceu entre livros e monitores. Aprendi que existem dois tipos de pessoas no mundo, os normais e os melancólicos. Nunca subi em pé de araçá, não brinquei de pega pega, e, mesmo quando brinquei, ainda era o estranho que sempre perdia e voltava pra casa pensando em murros e pontapés que nunca encontravam o destino.


Talvez você não entenda, talvez ninguém um dia venha a entender. É que um demônio invisível me roubou a alegria aos dez anos de idade.


E hoje vivo nos sorrisos que provoco, com aqueles que não se importam em compartilhar as pequenas coisas secretas... essas poucas que não me ofendem com seu brilho.

5 comentários:

Davi Lopes Ramos disse...

tenham vergonha não... podem comentar :)

Gabriel M. Faria disse...

“Eu sei de tudo isso, inclusive que eu devia ver o lado bom das coisas e outros clichês não menos verdadeiros. Que preciso exigir menos de mim, rir de piadas sem graça e dançar danças que eu não gosto apenas pelo prazer cinético, pela completude instantânea que surge quando o corpo vaza ritmos comprimidos de vibração melódica.”

muito bom.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Assim eu choro...

Belissimo texto nego. Precisamos de mais coisas assim: bem escritas, sinceras e com sentimento.

Abraço.

Unknown disse...

"E hoje vivo nos sorrisos que provoco, com aqueles que não se importam em compartilhar as pequenas coisas secretas..."

Seu texto me provocou sorrisos... e ainda por cima estava escutando uma de minhas músicas preferidas... tão bom...